Storytelling significa, tal qual seu nome entrega, a arte de contar histórias. O termo se tornou um hype nos últimos anos, pois as agências de comunicação se apropriaram dessa terminologia inglesa para destacar suas estratégias que envolviam a construção de narrativas.
A narrativa é primordial para os seres humanos, pois além de ser uma forma importante de troca de conhecimento, é através dela que entendemos o mundo que nos cerca e formulamos a nossa própria identidade. Segundo o filósofo francês Ricoeur, narrar é dar ordem ao caos dos acontecimentos. É criar uma cadeia causal de ações e reações que imprime um sentido.
Os contadores de história tradicionais, narravam em volta de uma fogueira para a sua comunidade. Esse era um momento de partilha, de troca. O conteúdo e a forma da narração precisavam ser compreendidos e chegar aos corações e mentes daquela comunidade.
Hoje não é diferente, uma boa história é aquela que faz sentido para seu público-alvo, seu conteúdo gera identificação e conexão emocional. Em outras palavras, oferece valor.
Esse post pretende fazer um breve resumo sobre o tema da construção de narrativas e não esgotar ou aprofundar o assunto. Seu conteúdo serviu de suporte para o desenvolvimento de um exercício de criação de projeto transmídia em uma oficina que ministrei.
A origem da palavra dramaturgia vem de drama (ação) e turgia (representação), logo dramaturgia é a representação de uma ação. Os roteiristas costumam repetir a frase “Show, don’t tell”, para alertar sobre a importância de mostrar uma ação em lugar de contar uma ação.
A estrutura básica da dramaturgia é: um personagem quer algo (objetivo), mas aí encontra um obstáculo (conflito). Desse embate entre o querer e o conseguir é que nasce a história.
O conflito que o personagem vai enfrentar pode ser tanto uma situação, ou um personagem que o atrapalha, quanto um sentimento que dificulta o personagem a conseguir o que ele quer.
É preciso pensar, portanto, no que o seu personagem quer (desejo / objetivo) e no que ele faz (ação) para tentar conquistar seu objetivo. Qual é o obstáculo que ele enfrenta?
Dessa equação surge o conflito. A forma com que o personagem resolve o problema demonstra quem ele é. O conflito é o vínculo do espectador com a história: através dele surge a identificação e a empatia. É com os personagens que o público irá se identificar.
Personagens (quem)
Homer Simpson e Don Draper, de Mad Men, são pais de família, no entanto totalmente diferentes. A forma com que cada um lida com seus obstáculos apresenta suas características: seu traço dominante, o chamado misbehavior. O misbehavior é uma característica marcante do personagem, que o torna único e motiva muitos dos seus conflitos.
Para ajudar a formular seus personagens, pense nas perguntas abaixo:
1- O que ele quer?
2- Por que ele quer?
3- O que ele faz pra conseguir?
4- O que o detém? (conflito)
5- Quais as consequências disso?
É diante dos dilemas que você reconhece os personagens. É importante lembrar que personagens não são pessoas, e sim discursos transformados em ação. Eles interessam na história como um ponto de vista sobre o mundo e sobre si mesmos. Sendo que esses pontos de vistas podem convergir ou divergir do ponto de vista de outros personagens.
É importante que os seus personagens cumpram funções diferentes na narrativa, a menos que você tenha um objetivo específico que contradiga essa máxima. Pense por que é esse personagem que vai passar por determinado conflito e não outro. O que o torna diferente do outro. E uma dica para construir um personagem instigante é que ele tenha algo a perder, pois isso faz com que a audiência fique mais conectada à história, torcendo ainda mais para que tudo dê certo.
Universo (onde e quando)
Pense em onde se passa a sua história. Quanto mais ela estiver próxima à realidade que o seu público conhece, menos você precisa explicar sobre esse universo. Quanto mais distante ela for, mais você terá que explicar.
Friends, por exemplo, se passa em uma realidade próxima à do público que assiste a série, e, mesmo quando não tão próxima, esse público compreende aquela cultura. Séries que envolvam o universo fantástico como Game of Thrones já precisam explicar muito mais como funcionam as regras de seus reinos. O autor de Senhor do Anéis chegou a criar até as linguagens dos povos da Terra Média. É comum que se faça uso de mapas cartográficos nesses casos. Até uma série quase “histórica” como Vikings precisa introduzir o espectador naquele mundo e naquela mitologia.
A regra funciona da seguinte forma, o que você não explica o espectador assume que é semelhante ao que acontece em seu próprio universo. Tudo que diferir, você precisa apresentar.
Premissa
A premissa é o olhar que o autor empresta para a história. Uma história pode abordar vários assuntos, mas é a premissa que deixa claro quais são seus valores. Muitas vezes compreendemos a premissa pelo desenrolar da história, por seu fim.
Esse parágrafo contém spoiler:
No filme Brilho eterno de uma mente sem lembranças, o casal de protagonistas tenta ficar junto, mas não dá certo. Por isso, resolvem ir à uma clínica para apagar suas memórias e cada um seguir sua vida. O problema é que o destino torna a uni-los, mesmo que não lembrem um do outro. Passado um tempo descobrem sobre seu passado e que já tinham tentado estar juntos. O dilema que se apresenta para ele é decidir se tentam ou desistem. Resolvem seguir juntos tentando. Poderíamos, então, dizer que a premissa desse filme é que o amor sempre vale a pena, ainda que saibam que pode não dar certo de novo. Se eles resolvessem se separar, a premissa seria outra, algo como embarcar duas vezes na mesma jornada, sabendo que já não deu certo antes, é perda de tempo.
É importante refletir sobre qual história você quer contar e qual a mensagem que ela vai passar.
Estrutura narrativa
Aristóteles considera a trama, a sucessão dramática dos eventos, a alma da tragédia. Ele defende que os personagens devem começar a narrativa em um estado e terminar em outro. A história faz com que se transformem.
Não vou entrar, nesse momento, a fundo no tema estrutura narrativa, mas entre os muitos ensinamentos presentes na Poética de Aristóteles, cabe destacar algo que para nós é tido como trivial: que as narrativas (tradicionais) possuem começo, meio e fim. A história divide-se então em 3 atos. O primeiro apresenta a narrativa e seu conflito, o segundo complica e o terceiro resolve.
É possível notar que outras estruturas narrativas como a jornada do herói são bem semelhantes à divisão proposta por Aristóteles. O movimento dramático se desenvolve a partir das mudanças de equilíbrio. Você tem um personagem que está inserido em uma rotina, algo acontece que o tira de sua zona de conforto, mas nem sempre é o suficiente para fazê-lo embarcar na jornada. Soma-se a esse primeiro fato, outro que faz com que ele se sinta obrigado a agir e essa ação faz com que seja inevitável embarcar na trama. A história vai sendo desenvolvida, o personagem vai ganhando confiança, depois a perde, há uma reviravolta, chega-se ao clímax, onde o conflito se resolve e gera um novo estágio de equilíbrio. O personagem sai dessa jornada transformado.
E ficamos por aqui, na certeza de que esse foi um post ultra resumido sobre um tema que requer muito mais aprofundamento.